MÉMOIRES ET AVENTURES D'UN CABINDAIS A LA DECOUVERTE DU BRESIL ou LA VIE DE FRANCISCO FRANQUE.
MEMÓRIAS E AVENTURAS
DE UM CABINDA EM
TERRAS BRASILIENSIS
OU
A VIDA DE D. FRANCISCO FRANQUE, 1º BOMA ZANEI-N'VIMBA, POR DOAÇÃO DE BATCHI NHONGO, VIII REI DE N'GOIO, ANDANDO POR OCEANOS E CONTINENTES ESTRANHOS.
Carlos Duarte
Aos meus pais
Aos meus filhos:Luis José,Susana,Tiago,Raphael,Laila e Gabriel
À minha irmã Raquel
A VERDADE É SEMPRE ESTRANHA
( Byron )
NA VIDA O IMPORTANTE É ESCAPAR
( Provérbio de diversos grupos étnicos Bantu em Angola)
TÚBILA YAKO:
UBIKA LINGANA
Trad. - Fala o que é teu:
Deixa o alheio
( Provérbio Cabinda que equivale ao “meter o nariz onde não é chamado”)
INTRODUÇÃO
Acontece, não é freqüente, não é comum nem corriqueiro, mas sorte também não é para quem precisa ou merece, é para quem tem, e também não é inédito, aconteceu com Giovanni Papinni, quando recebeu das mãos do insano Gog os manuscritos que mais tarde publicaria com o nome do autor, aconteceu com Márcio de Souza, encontrando como que por acaso, numa livraria do bairro boêmio parisiense, os manuscritos das memórias de Luiz Galvez, que com um exército de tropa mambembe e bêbada tomou da Bolívia o território do Acre, e mais tarde se auto coroou Imperador do Acre, onde legislou, distribuiu armas e guerreou, aconteceu com maços de cartas de amor sigilosas, contendo segredos de alcova, de perfídia e adultério, segredos de envergonhar gerações de descendentes diretos e indiretos, que caíram em mãos não tão confiáveis nem discretas.
Aconteceu com Fernando Pessoa, o grande poeta da língua portugue sa, quando numa clínica psiquiátrica de Cascais, recebeu das mãos de Antonio Mora os origineis de O REGRESSO DOS DEUSES. A obra prima do neopaganismo Português."
Aconteceu comigo também, numa tarde cinzenta de meio de semana, iniciada em franca e ordeira placidez, seguida de susto e contrariedade.
Andava eu pela Rua da Carioca no centro do Rio de Janeiro, tentando dar um sentido à vida e encontrar um lugar para me proteger da chuva torrencial que as nuvens pesadas de chumbo ameaçavam desabar a qualquer instante, depois de uma rápida e interrompida visita à jovem e pudica esposa de um importador de queijos e vinhos, ranzinza e carrancudo. Tão ciosa era da sua ilibada reputação, que só na sacrossanta alcova matrimonial cedia, a fortes insistências e bem colocados argumentos, vislumbres da pele morena, tonificada pelo sol do Pará, mas que, vencidas as barreiras do pudor, se entregava com um resfolegar crescente que simulava no contralto, uma locomotiva a vapor.
Terá sido o acaso, o determinismo da vida, ou o som de válvula de caldeira soltando vapor comprimido, chegando aos ouvidos do marido, no térreo do sobrado, no armazém de secos e molhados?
Não sei nem quero saber, que não sou filósofo nem fataista, apenas escutei o barulho metálico da antiga fechadura de ferro fundido, com um passo estava no avarandado do sobra do e, com um pulo não muito elegante nem garboso, caí torcendo um tornozelo, entre um apontador de jogo de bicho, magro, taciturno e compenetrado, e duas mulatas em roupas colantes que se dirigiam para a cinelândia.
A ninguém impressionou ou causou curiosidade o meu vôo e pouso desgovernado, nem tão pouco os gritos da adúltera, perdidos no fuzuê de barulhos àquela hora do dia, a quem o marido mal humorado, ministrava com afã apenas similar ao usado no fecho das contas do “deve e haver”, uma cessão de lapadas caprichadas....um despropósito, em pele tão macia e complacente, tão sensível ao toque sutil.
E fui mancando, Rua da Carioca acima, até que os primeiros e grossos pingos de chuva me empurraram para uma livraria de livros usados, onde a atendente, uma loira de sotaque paulistano, chamada Andréa, de sorriso aberto e cativante, e curiosa leitora de culturas exóticas, me mostrou o setor de livros sobre África em geral, e Angola em particular.
Lá, embrulhado em amarelecido papel quebradiço pelo tempo, e atado a antiga fita de cor indefinida e indecifrável, encontrei as memórias de D. Francisco Franque, um nobre negro de Cabinda, culto e viajado, mercador de escravos e aventureiro.
Comprei a preciosidade por preço barganhado e quase irrisório, e fui fechar-me em casa, para ler o que o destino =E 2 merceeiro? - me havia colocado em mãos.
O que li foram histórias mirabolantes, tão inverossímeis quanto reais, como depois constatei, pesquisando a existência e vida de semelhante personagem. Posso assim atestar que D.Francisco Franque existiu, sua história e a da família Franque, nos anais da história de Angola e de Cabinda.
O texto, de escrita antiga e terminologia misturada entre os termos africanos, nem sempre muito claros de entendimento, me levaram a fazer mais uma espécie de tradução do que alterações.....nada foi mudado, apenas alguns termos de expressão gentílica ou meramente localizada, foram modernizados para melhor e mais rápido entendimento dos milhares de leitores que pretendo venham a comprar este livro.
Na verdade, um trabalho tão facilitado, que fosse eu um bom caráter, procuraria os descendentes diretos do meu personagem, para com eles dividir os grossos proventos que me hão-de advir da comercialização da história de Chico Franque (estamos íntimos já, depois de lhe conhecer a história e as atribuladas andanças pelo mundo).
Em alguns pontos que me pareceram um tanto quanto exagerados, me dei o direito de comentar em particular com os meus leitores, mostrando o meu ponto de vista, limando arestas de brilhantismo despropositado, afinal, alguma coisa devo fazer pela parte que me toca como autor..
0DDe resto, mantive o tom de folhetim narrado na primeira pessoa, que achei encaixar tão bem nas aventuras a seguir contadas.
A jovem e linda morena esposa do importador?
Para minha contrariedade não voltei a ver, a prudência me aconselhou manter distância das vizinhanças dos atacadistas e varejistas de queijos, vinhos e similares, situação já de si dolorosa, mas agravada por um reflexo condicionado pavloviano, que me deixava em situações embaraçosas cada vez que sentia o cheiro de derivados de leite, ou o acre aroma de vinhos.
Quando achei seguro sondar as redondezas, soube por alcoviteiros de plantão que tinham viajado em segunda Lua de Mel para o norte, onde a devota esposa iria rever parentes próximos, participar do Círio de Nazaré, matar saudades das mangas de Belém e do cheiro do Mercado de Ver o Peso, comprar infusões de pica de boto em cachaça e catuaba, adjutório muito mais eficiente que os modernos estimulantes sexuais masculinos, verdadeiros reparadores das disfunções eréteis, todo o mundo sabe por lá.
APRESENTAÇÃO
Sou Francisco Franque, 1º Boma Zaney-N'Vimba por doação de Batchi Nhongo, Príncipe do N'Goio e Coronel honorário do Exército de Portugal no Ultramar, patente que me foi outorgada no dia 5 de Março do20Ano da Graça de 1803, nascido no dia 2 de janeiro de 1777, no reino do N'Goio, hoje apelidado sabe-se lá porquê de Cabinda, filho de Mafuka Kakala Franque, 1º Malambo Mambula-Molo-Computo, por doação de Mõe Gimbi N'Pandi Sibi 1º, VIII Rei do N'Goio.
Nasci na exuberância verde do Mayombe, a selva tropical do norte de Angola, e a minha infância foi passada no aprendizado da luta corporal, do manejo de arco e flecha, da azagaia, da zarabatana e visgos os mais diversos, com que pegava passarinhos desde que a minha memória me permite voltar atrás no tempo.
Cresci até aos sete anos de idade na pujança desse verde denso e sem fim, uma floresta hostil para quem não a conhece nem respeita, uma floresta que devora e nem expele os restos de quem não a decifra, e uma das últimas coisas de que me lembro dessa época, pouco antes de embarcar para o Brasil, onde meu pai entendeu por bem me enviar a estudar com os padres jesuítas, foi dos ataques de uma força naval de três navios franceses, contra a guarnição portuguesa da Fortaleza de Santa Maria de Cabinda, uma pequena feitoria que estava sendo construída pelos portugueses, mais para proteger o meu povo dos ataques franceses, do que pelo interesse mercantil que representava. Soube anos depois que em Junho de 1784 as forças francesas lograram destruir quase totalmente as instalações ainda não terminadas , e da conseqüente capitulação das tropas portuguesas. Essa experiência, o cheiro da pólvora detonada, o clamor das batalhas, o senso de união de uma guerra, a necessidade de vencer medos, a incerteza da sobrevida, a abstração de tudo o mais que possa acontecer, a sensação de adrenalina percorrendo veias e artérias, a exaustão depois de um combate,o olhar apático e incrédulo dos feridos, ativou em mim o espírito guerreiro e a pendência à aventura, que tanto me acompanharam na minha vida agitada.
Mas só assisti ao início desse conflito, porque meu pai, o poderoso Malambo, achou que a melhor preparação que eu poderia ter para a vida, teria de passar pelos bancos escolares dos padres jesuítas, e assim me entregou aos cuidados de um capitão de navio negreiro, com a incumbência de me levar ao mosteiro jesuíta da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde por quinze anos ficaria sob a responsabilidade do meu principal tutor e mentor, D.Figueiredo Vasquez.
Fui para o Brasil aos sete anos mal completados, no dia 20 de Março do Ano de Cristo de 1784, e só voltaria ao N'Goio quinze anos mais tarde, já adulto, com vinte e dois anos, no dia 19 de Maio de 1799.
Fui para o Brasil antes dos nove anos de idade, altura em que os rapazes da minha tribo são circuncidados e aprendem a ser homens; mas com u ma carga de conhecimentos, adquirida na vida livre do mato, que muito úteis me viriam a ser nas situações menos esperadas.
Uma vez, no mato, escutei um barulho desconhecido, estranho, uma espécie de zumbido, intenso mas não alto, e me guiando por ele, surpreendi a preparação de um combate entre formigas vermelhas, os terríveis Kissonde e formigas negras, as cadáver, assim chamadas pelo cheiro nauseabundo que soltam quando esmagadas.
Figura 1 – Reinos do N'Goio, kakongo e Loango.
Empoleirado nos ramos mais baixos de um imbondeiro, vi os dois exércitos ficaram frente a frente, medindo forças, se avaliando, e então avançaram para o combate fatal.
Um dos exércitos abriu os flancos para o envolvimento das forças inimigas, enquanto o outro, se defendia formando em quadrado impenetrável, com quatro faces de defesa, que debelavam qualquer tentativa de desmantelamento pelas forças em formação de envolvimento.
Após o combate, terrível e sem tréguas, os derrotados abandonaram o campo de batalha, enquanto os vencedores passaram por todo ele, dando uma morte rápida e misericordiosa aos companheiros, e carregando os inimigos feridos para o formigueiro.
Nesse dia aprendi o valor de combater o bom combate.
Mais tarde aprendendo sobre a História de Portugal, com os jesuítas, soube que essa tática de guerra era chamada de “Quadrado de Nun'Álvares”, por ser sua criação atribuída a Nun'Álavares Pereira na batalha de Aljubarrota. A outra tática, também descrita nos manuais de Guerra Clássica, é a Tática de Envolvimento, já praticada
Aprendi a ver quando vai chover, mesmo em dias de sol, esplendoroso, porque o salalé só aumenta a casa quando sabe que a chuva forte vem para ajudar na consistência do barro do formigueiro. É quando as formigas criam asas e voam desordenadamente no desespero da construção, e que nós, os garotos cabindas aproveitávamos para as pegar em pleno vôo e comer, ali mesmo, mordendo com deleite o abdômen recheado e saboroso, rindo das asas frágeis que ficavam coladas nos lábios uns dos outros.
Aprendi a ler nas pegadas e marcas junto aos bebedouros do mato, o “Jornal da Selva”, que nos dizia que animais e em que ordem de chegada tinham ido beber água; sabíamos assim se o dia prometia ser de caça ou do caçador.
Sabíamos assim calcular o risco da empreitada, se não pudesse ser adiada, e que tipos de ponta de flecha devíamos levar para não sermos surpreendidos.
Aprendi, na proximidade com o mar, a ler no=2 0céu, sobre ventos e tempestades, kalemas e calmarias, e nas águas escuras aprendi a ver a mancha negra dos cardumes fáceis.
E aprendi tudo isso até aos sete anos. A educação dos padres iria ser um valioso complemento de ensinamentos; as grandes lições, de como me defender, de como sobreviver, de como escapar, eu já sabia.
Nota do Autor
No primeiro parágrafo da apresentação, Francisco Franque deixa entrever uma certa contrariedade pela alteração do nome de N'Goio para Cabinda, comentando meio sarcástico não saber o porquê da nova denominação, no entanto, esta vem de longa data.
Pouco depois de iniciadas as relações entre o povo local do N'Goio e os descobridores portugueses, os navegadores fundeando ao largo da enseada, eram recebidos por um dos dignitários do rei, que os autorizava a desembarcar e entabular negócios. Esses dignitários eram chamados de Mukuka, e um deles, de nome próprio Binda, se destacou entre tantos pela sua capacidade de liderança e preocupação em preservar sempre os interesses do N'Goio. Os navegadores sempre se referiam a ele pelo nome antecedido do título. Assim Mukuka Binda, tornava mais sonoras a última sílaba do título, junto com as do nom e. Iam ver mukuKABINDA, foram esquecidas as primeiras duas sílabas do nome e ficou só Kabinda, que com o tempo passou a designar a terra e não a pessoa.
A razão do orgulho que deixa transparecer quando fala do Mayombe, deve-se também, além da exuberância que cita, ao significado do nome. Na verdade, Mayombe é uma palavra composta por duas outras: MA que significa real, e Yombe, que significa terra. Para os cabindas, o Mayombe é a Terra real.
Os últimos parágrafos da apresentação que Chico Franque faz dele mesmo, me parecem de um exagero acima de qualquer dúvida.
É muito pouco provável que até aos sete anos de idade tenha armazenado tal quantidade de conhecimentos úteis, com plena consciência disso. É bem mais provável que tivesse remotas recordações, mais tarde avivadas, depois do regresso a Cabinda, pela oralitura tribal junto ao fogo da Tchiota, ou mesmo as tivesse vivenciado já adulto.
Mas sabe-se que entre os costumes das tribos africanas, não está o de levar crianças em empreitadas do quilate que ele descreve, como caçadas ou mesmo para a leitura do jornal da selva, que é feita exclusivamente por caçadores experientes.
Completamente improvável também, que tenha participado, ainda que como mero observador de palanque, ao ataque dos navios franceses à Fortaleza de Santa Maria de Cabinda que, até onde me foi p ossível pesquisar, ocorreu sim, mas cerca de 5 meses após a partida para o Brasil.
Mais provável neste caso, é que tenha lido anotações de algum membro da família Franque, desde sempre aliada de Portugal, e aproveitando-se da quase coincidência de datas, cite os acontecimentos como presenciados.
Capítulos seguintes:
Boa tarde. Sou Carlos Duarte, o autor da história de Francisco Franque aqui postada. Quero agraecer a divulgação do meu livros, mas espero que não seja vossa intenção publicá-lo em capítulos. Um abraço a todos
RépondreSupprimerTÚBILA YAKO:
RépondreSupprimerUBIKA LINGANA
Trad. - Fala o que é teu:
Deixa o alheio
( Provérbio Cabinda que equivale ao “meter o nariz onde não é chamado”)E exatamente isso que vcs estão fazendo,PUBLICANDO SEM AUTORIZAÇÃO.....