Entregue ao
Santo Papa Joâo Paulo II
Emm Luanda, aos 07 de Junho de 1992
MEMORANDO
As terras do Kongo voltaram a ocupar o lugar de destaque a nível international como a quase séculos. A visita do Papa Joâo Paulo II veio lembrar que foi a partir dessa parte do continente africano que a religiâo cristâ irradiou sobre a Africa Central e Austral pela primeira vez.
O santo padre pisou a muitas vezes histórica cidade de Mbanza-kongo, levando consigo a mensagem do amor cristâo, transmitida pelo Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas, os que ajudaram a doutrina cristâ conquistar as almas desta parte de Africa, aos akongo alguma vez tiveram a paz da alma?
Os akongo, ou os kikongos, como os outros chamam às populaçôes do norte de Angola, sâo os que mais sofreram os desmandos que a dita Repúplica Popular de Angola conheceu.
Experimentamos no íntimo de nosso ser as situaçôes mais humilhantes que um cidadâo possa atraverssar no seu próprio país. De cidadâo nós tínhamos apenas o chamado “bilhete de identidade”.
De facto, nós somos até agora cidadâo de categoria incerta. Nâo pertencemos nem à primeira nem à nem à segunda faixada. Com efeito, um angolano de primeira, sente-se penetrado pela consciência tranquila de viver no seu país.
Nós os akongo, fomos considerados como estrangeiros na nossa própria pátria. Fomos tratados de “invasores”, etiqueta essa que continua a nos colar à pele até hoje.
Nós somos “zairenses”, nâo porque alguns de nós sâo oriundos da provincial do zaíre, mas por um nûmero bastante considerável dos akongo ter vivido o seu exílio na Republica vizinha do Zaire, onde se encontrava baseado, durante a guerra de libertaçâo nacional, o mais implacável adversário politico do MPLA, a FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÄO DE ANGOLA (FNLA).
Razôes políticas levaram os que se estableceram a cabeça depois de 11 de Novembro de 1975 a fazerem circular mentíras sobre os akongo. Assim, tornamo-nos em”zairenses comem pessoa”. Essas mentiras se enraizaram profundamente numa populaçâo, que sofria ainda de pouca educaçâo política de que os dirigentes pós-independência estavam conscientes.
Como no tempo colonial éramois chamados de “Congo-angolanos”, no intuito de nos separar de outros angolanos, os novos mestres que se tinham apoderado do poder ilegamente e que pretendiam unir Angola com o falso slogan “De Cabinda ao Cunene, um só povo, uma só naçâo”, alcunhavam-nos de “zairenses”.
Durante dezasseis anos os akongo foram atirados para o mais baixo do escalâo social.
Nós éramos e continuamos a ser mais estrangeiros na nossa terra-mâe do que os cabo-verdianos, os santomenses, sem falar dos portugueses e dos oriundos da comunidade comunista da antiga europa do leste, que pululam ao redor da vaca leiteira angolana.
Nâo é de espantar entâo, que países como a França e a Alemanha Federal – que outra nâo conheceram refugiados angolanos – estejam cheios hoje de akongo. Muitos sequiram para estes países, sobretudo para o primeiro nos primórdios da independência – referimo-nos particularmente aos do chamado “prédio Universitário” em Luanda – muito antes das famosas “rusgas” para as FAPLA (Forças armadas do governo do MPLA). Os sobreviventes que têm nervos de aço é que ficaram aqui.
Esta discriminaçao estendeu-se locais de trabalho.
Boatos diversos foram cínica e hâbilmente fomentados para contester os akongo que eram portadores de qualquer competência. Denegriu-se os diplomas vindos da Republica do Zaire – onde os akongo foram buscar um saber que o regime colonial português lhes recusava. Falou-se em diplomas comprados – nâo se sabia bem em que praça! – de fraco nível de ensino, de formaçao capitalista, etc.
A verdade porém era essa: o afastamento puro e simples dos akongo dos lugares de chefia. Pois, mesmo os nossos conterrâneos que aqui estudaram ou que saíam das escolas dos país socialistas, amigos do partido no poder, sofreram o mesmo tratamento de desconfiança, porque apesar de militants de primeiro hora do MPLA, nâo passavam de “zairenses”.
Isso nâo aconteceu apenas aos portadores de diplomas de faculdades ou outras escolas secundârias, mas também aos homens de oficios, tais como mecânicos, marceneiros, electricistas, etc.
Em todos os ramos de actividade desconfia-se dos akongo que nâo eram senâo “inimigos infiltrados”, de “sabotadores camuflados”, de “reaccionários”. Sim, todo ñkongo era “espiâo dos países capitalistas, sobretudo da CIA do Estados Unidos da América”.
Além de sermos tratados de potenciais sabotadores, éramos os vencidos. Os akongo, todos, tantos as que ficaram no país como as que saíram, tantos os que pertenceram à FNLA como os demais outros, eram considerados como membros deste movimento de libertaçâo afastado do processo politico de 1975 em circumstancias que nâo interessam referir aqui.
Porque os akongo eram vencidos, deviam ser tratados como tal, como dizia a chefe gaulês: “Vae victis”. Devíamos sofrer todas a humilhaçôes.
A nossa cultura foi totalmente ignorada. Ter cultura é existir. Os akongos nâo deve ter cultura _ou pelo menos à ela nâo pode referir no quadro angolano _porque eram supostos nâo existir. Os nossos nomes foram e sâo ainda considerados de “estrangeiros”, além de serem deliberadamente alterados. Nas conservatórias é perciso horas de discussâo _para os “teimosos” _ papa a criança levar o nome kikongo. Obrigam-nos a dar à nossa progenitura, nomes de baptismo como nomes de família, recorrendo à uma astúcia herdada do colonialismo português.
Do mesmo modo, as nossas tradiçôes sâo espezinhadas. Prova disso é por exemplo o desconhecimento do casamento costumeiro_longo_ dos akongo. Esses casamentos, quando concluídos for a de Angola, foram reconhecidos pelas autoridades civis locais. Ora na República Popular de Angola, tais casamentos sâo pura e simplesmente ignorados, e aqueles que os concluiram sâo considerados como “solteiros”, apesar dos documentos comprovativos das autoridades que celebram esses casamentos.
Os nossos filhos choram para convincer a mâe, que vai à sua escola, de nâo meter panos, receando que ela desvende a sua origem “zairense”. Ora os panos sâo o traje da gente de norte.
Esta afastamento nâo só afectou o aspecto exterior do ñkongo _como o traje _mas também um dos aspectos mais profundos do homem ñkongo. É o caso da língua.
O Kikongo é considerado em todos os meios da vida nacional como uma “língua reaccionária”, porque é falada por um povo reaccionário e estrangeiro.
Das três línguas principais de Angola, o kikongo é aquela que continua a ter o estatuto de “lingua de câo”.
Toda a acçâo conscientemente negativa em relaçâo aos akongo levada a cabo durante dezasseis anos pelas instâncias dirigentes da RPA produziu os efeitos _nefastos_ que dela se esperava.
Muitas personalidades ñkongo do MPLA recusam falar a sua lingual maternal, por ficarem no mesmo diapasâo que os colegas. Os nossos filhos nâo gostam que lhes falem em kikongo na presence dos amigos. Alguns adultos ñkongo, sobretudo nos locais de trbalho, para esconder a sua origem kongo, como se ser ñkongo é uma vergonhosa praga.
Tudo indica que, o que os descendentes de Paulo Dias de Novais nâo conseguiram alcansar na zona dos akongo durante cinco séculos _o genocídio cultural _ outros o queriam realizar em dezasseis anos.
A história do povo kongo sobre manipulaçâo e distorçâo.
Insite-se demoradamente na sua origem nortense como se as outras etnias angolanas sempre viveram cá e como se vir do norte torna os akongo menos angolanos.
Os akongo sâo apresentados como os que menos contribuiram pela luta contra o colonialismo português.
Pelo contrário, sâo aqueles que fizeram entrar o lobo no redil. As lutas de resistência de Mpangu a Dukeni, Mbula a Matadi nos séculos passados sâo tidos como factos menores, e o contributo de Mpudi a Nzinga contra o invasor lusitano a nível nacional é complementamente esquecido. Buta wa Tulante e Mbianda Ngunga que no início deste século oposeram-se ao colonialismo no país kongo nunca mereceram mençôes na memória do “povo angolano”.
Com efeito, quantas ruas, quantas praças, levam um nome de monarca ou de ilustre personalidade kongo? A sublevaçâo que deu origem ao início da luta armada contra a dominaçâo salazarista na area Kongo em Março de 1961 é considerada como um “massacre racista”, em comparaçâo com o limpo e fraterno “4 de fevereiro” de Luanda, no qual se tem mantido cuidadosamente escondido até recentemente o decisivo papel que os akongo nele jogaram.
Tudo isso na vâ tentative de dar aos akongo a imagem dos que menos contribuiram pela libertaçâo nacional, enquanto que até o colonialismo português reconhece, contra a sua vontade, as baixas que o povo ñkongo lhe infligiu.
Talvez seria bom lembrar que entre os akongo nunca houve “ambaquistas”.
Os akongo nâo compreendem que, fornecendo ao país riquezas sem as quais a existência da chamada República Popular de Angola periclitaris, continuem a viver na miséria. Eles pensam que chegou o momento de colocar as coisas no seu devido lugar.
O petróleo manteve este país em vida apesar da quase faléncia a que corria: sem este “OURO NEGRO” nâo se falaria tanto no “future promissory de Angola”. O café fez de Angola um país em que a gente acreditava. Nâo fosse o esbanjamento do dito governo da R.P.A., Angola ocuparia sempre um dos lugares cimeiros que foi seu (quarto produtor mundial).
Também foi o café, hoje é o petróleo, que fizeram este país andar. Ambos sâo produtos – graças a Deus – da terra kongo.
E que proveito tiraram os akongo destas riquezas? Nada que nâo fosse o desprezo, ódio, humilhaçâo, miséria social.
Com efeito, actualmente as estradas que levam para o norte do país sâo as piores. Para se deslocar de Luanda para Mbanza-kongo, por exemplo, é preciso duas semanas. Ora, a cidade está apenas a umas centenas de kilómetros da capital do país. A ponte partida durante a Guerra civil, nunca foi contemplada em qualquer plano de reconstruçâo nacional.
Se é verdade que o petróleo circula por pipe-lines e barcos, o que é se fer para se pôr em boas condiçôes as vias terrestres de escoamento de café?
Faltam planos para construir infraestrutures que possam criar condiçôes para o estabelecimento da populaçâo da área na sua terra natal.
As riquezas do norte servem para enriquecer outros. Os akongo sâo obrigados a irem trabalhar for a da sua zona de origem onde sâo hostilizados, onde a propaganda negative levada a cabo contra eles durante os dezasseis anos do governo actual apresenta-os como estrangeiros, roubando o pâo dos nativos.
Será que com o petróleo nâo se pode criar pólos de desenvolvemento na zona, que possam dar trabalho aos oriundos? Outras estruturas, como o desenvolvimento das indústrias extractive (cobre) e alimentar podem ser reactivadas e instaladas, como se faz noutras zonas do país, para ocupar a populaçâo. Mas nada disso aconteceu nas areas kongo!
As nossas riquezas sâo para os outros comprarem quintas de milhôes de dólares em Portugal, mansôes luxuosas na Suécia ou nos Estados Unidos, ou para mandar os seus filhos estudarem nas melhores escolas europeias, enquanto que os nossos filhos nâo tem nem salas de aulas, nem carteiras, nada que os possam dignificar amanhâ, ganhando a vida com um emprego honesto aprendido na escola.
Os nossos país, as nossas mâes, os nossos sobrinhos, os nossos avôs sâo condenados a recorrer ás ervas das nossas matas para se curarem das doenças, que a falta de hospitais, equipamentos médicos, de medicos e enfermeiros agravaria até as últimas consequências.
A doença do sono está a provocar hecatombe no norte do país. O que está a fazer o governo para acabar com o flagelo?
Até os orgâos estatizados da comunicaçâo social já nâo dâo notícia do mal, como se este tivesse desaparecido. Mas os relatos dos que lá veem dizem o contrário.
A seca nas outras areas do país preocupa desmedidamente o executive angolano…. Ca akongo? Eles podem morrer sâo estrangeiros.
Os akongo nâo compreendem que neste xxº século em que se proclama todos os dias a Declaraçâo Universal dos Direitos Humanos – segundo a qual todos os homens sâo iguais – eles sejam tratados na sua própria terra como seres inferiores.
A mensagem evangélica que o Supremo Pontífica vem confirmer com a sua visita á Angola, insiste na igualdade e no amor entre todos oa seres humanos criaturas de Deus.
Forque entâo os originários do norte sâo excluídos desse círculo de igualdade e deamor para um inferno de ódio e desigualdade?
Os akongo depois de terem tanto meditado e reflectido sobre a situaçâo em que se encontram, com tudo aquilo que foi exposto nas linhas anteriores, chegaram á conclusâo de que apenas a criaçâo de uma entidade territorial autónoma, for a das da autoridade da chamada Republica Popular de Angola, pode resolver os insolúveis problemas que a eles se colocam dentro desta estrutura administrative.
Com efeito, a constituiçâo Portuguesa de 1956 reconhece as “colónias de Angola e do kongo”, fazendo desta uma entidade separada da primeira que conheceu uma colonizaçâo ao longo de quinhentos anos e que desenvolveu consequentemente, estruturas sociais e politícas estranhas ás populaçôes do norte.
Os akongo também nunca obedeceram, desde os tempos mais remotes, a qualquer NGOLA. Estiveram sim, sempre sob o reinado Ntotela. Hoje, procura-se apagar o papel de resistência do povo ñkongo contra o colonialismo português, esquecendo-se que Dias de Novais estabelecera-se nas terras quimbumdas, nâo por serem ricas, mas sim de fácil penetraçâo.
Neste tempos em que os fitícios limites territoriais fixados por interesses caducos de ontem se desfazem da ex-URSS, Somália, Jusgolávia e Etiópia, os akongo vêm reiteirara sua decisâo de desintegrar as terras kongo da actual Angola, cujas fronteiras foram fixadas por interesses coloniais portugueses e nâo africanos.
O que têm eles a haver com um país que os considera estrangeiros?
Também aproveitamos a oportunidade para rejeitar a oportunista manobra de última hora e eleitorista das instâncias do ontem comunista MPLA de rebaptisar Mbanza-kongo em Sâo Salvador. A capital do Reino do kongo conservará a sua traditional designaçâo genuína.
Esta tomada de posiçâo nâo afecta o fervor da fé cristâ que anima o povo dessa cidade em particular e de todo ñkongo em geral. Como aliás, o regresso à apelidaçâo colonial nâo fará um milagre de fé.
Luanda, 06 de Junho de 1992
Os akongo
Obs: Este memorando foi entregue ao Santo Papa Joâo Paulo II pela Comunidade kikongo em Luanda a 07 de Junho de 1992
(TRADUCTION FRANÇAISE)
MEMORANDUM
DE LA COMMUNAUTE KIKONGO-PHONE
A LUANDA
Rémis au
Saint Père, Jean Paul II
Fait à Luanda, le 7 juin 1992.